
Maior
conquista da humanidade no século passado, a longevidade é desafio para a
sociedade contemporânea no século XXI
TEXTO DÉBORA NASCIMENTO
ILUSTRAÇÕES YELLOW
03 DE MAIO DE 2021
“Envelhecer ainda é a única
maneira que se descobriu de viver muito tempo.”
(Charles Saint-Beuve)
“A
coisa mais moderna que existe nessa vida é envelhecer.”
(Arnaldo Antunes)
Enquanto aprendia a
tocar piano sozinho em casa, o jovem James Paul McCartney
compôs uma de suas primeiras músicas. A letra começava com a seguinte questão:
“Quando eu ficar mais velho, perdendo meus cabelos/ Daqui a muitos anos/ Você
ainda irá me mandar presentes no Dia dos Namorados?”. Em When
I'm sixty-four, o autor oferece compensações futuras à sua amada:
“Eu posso ser útil, consertando um fusível/ Quando suas luzes apagarem/ Você
poderia me tricotar um suéter perto da lareira/ Nas manhãs de domingo, daremos
uma volta/ Cuidando do jardim, arrancando as ervas daninhas/ Quem poderia pedir
por mais/ Você ainda precisará de mim, ainda irá me alimentar/ Quando eu
estiver com sessenta e quatro?”.
Paul tinha 16 anos, em 1958, quando fez essa canção que evoca a
musicalidade burlesca do vaudeville das
décadas de 1920 e 1930. Sua preocupação, expressa nas estrofes gravadas no
revolucionário álbum Sgt. Pepper’s Lonely Hearts
Club Band (1967), demonstrava a visão preponderante sobre a
velhice, em meados do século XX. A imagem que se tinha de alguém com 64 anos
era a de um idoso de cabelos brancos, um pouco corcunda, com passos lentos,
aposentado, vida pacata, sem ambição ou propósito, “perto do final da vida”.
O então jovem deveria imaginar que, aos 64 anos, estaria, portanto, de pantufas em casa, resolvendo um ou outro problema doméstico, enquanto cumpriria o cotidiano estereotipado de um idoso. O que aquele adolescente, antes de se tornar um beatle e um dos ícones da contracultura dos anos 1960, talvez não tenha cogitado é que, prestes a completar 79 anos em junho de 2021, estaria ainda trabalhando, compondo, gravando discos e realizando shows (mesmo com o auxílio de teleprompter), contrariando seu antigo empresário, que, em 1992, o aconselhou a parar, “porque já estava começando a ficar constrangedor”, quando o artista completara – apenas – 50 anos.
Paul e todos os representantes culturais de sua geração
provavelmente não imaginaram que estariam nos palcos em idades nas quais se
costumava estar aposentado de suas profissões. No advento do rock’n’roll na
década de 1950, era difícil vislumbrar um cenário em que um bando de pessoas
com cabelos brancos e rugas empunhariam instrumentos musicais, tocando e
cantando um gênero estritamente associado, em sua gênese, à juventude (isso
abrange artistas, fãs e temáticas). Em um dos principais hinos dos anos 1960,
uma frase declarava enfaticamente: “Espero morrer antes de ficar velho”. A
famosa estrofe de My generation,
lançada pelo The Who em 1965, acabou virando uma ironia do destino na voz de
dois senhores idosos: o vocalista Roger Daltrey, 77 anos, e o autor da
composição, o guitarrista Pete Townshend, 75 anos. Ambos, os únicos
remanescentes da banda britânica, continuam se apresentando.
Se, para Paul, o sonho de um retorno dos Beatles estava fora de
cogitação, principalmente após o assassinato de John Lennon, aos 40 (em 1980),
e a morte de George Harrison por câncer, aos 58 (em 2001), os Rolling Stones
continuam mantendo o feito impressionante de banda de rock que está há mais
tempo em atividade. Em 2022, serão 60 anos, contrariando o que Mick Jagger
afirmou em 1966: “Eu prefiro estar morto a continuar cantando Satisfaction aos
45 anos”. Ele tinha 23 anos quando se recusou terminantemente a, no futuro,
cantar o hit que canta
até hoje, aos 77. Para fãs, velhos ou novos, parece um milagre ver, ao vivo,
alguns dos principais ícones do estilo de vida “sexo, drogas & rock’n’roll”.
O caso do guitarrista e compositor do grupo é especialmente emblemático, pois
ele vivia mergulhado em drogas e escapou de algumas overdoses. Hoje, sua
simples existência é motivo para o compartilhamento de vários memes pelas
redes sociais. Um deles traz a seguinte reflexão à humanidade: “Temos que
pensar que tipo de mundo nós vamos deixar para Keith Richards”.
Intervenção na pintura O baile no Moulin de La
Galette, de Pierre-Auguste Renoir, 1876 Keith, 77, e a Rainha
Elizabeth II, 95, são alvos frequentes de piadas e memes por sua
longevidade e atividade na vida pública. Quando ambos nasceram, a expectativa
de vida na Inglaterra era, respectivamente, de 63 anos (década de 1940) e 59
anos (década de 1920). Hoje é de 81 anos. A expectativa de vida, que é uma
referência baseada em estatística, não aumentou porque os humanos vivem agora
mais tempo do que antes, mas porque é maior a quantidade de humanos que vivem
mais. No século I, o naturista e historiador romano Plínio, o Velho (que morreu
aos 56 anos), em um dos capítulos de sua obra História natural (77
d.C.), listou pessoas longevas. Dentre elas, o cônsul Valerius Corvinos (100
anos); a esposa do filósofo Marco Túlio Cícero, Terência (103); a atriz
Lucceia, que se apresentou no palco com 100 anos, e uma mulher chamada Clodia
(115, que teve 15 filhos).
Na Bíblia, a
longevidade é encarada como um prêmio à virtude. “Se observardes os preceitos
que vos dito”, diz Moisés, no Deuteronômio,
“então vossos dias na Terra que o Eterno jurou dar a vossos pais serão tão
numerosos quanto serão os dias dos céus sobre a Terra”. Nos Provérbios:
“O temor do Eterno aumenta os dias, mas os anos dos maus serão abreviados” e
“Os cabelos brancos são uma coroa de honra: é no caminho da Justiça que essa
coroa é encontrada”. No Levítico: “Tu te
levantarás diante dos cabelos brancos e honrarás a pessoa do velho”. A nossa
idade é baseada em um calendário cujo marco zero foi o nascimento de Jesus
Cristo, um homem que morreu jovem, aos 33 anos, e representa o cristianismo e
diversas religiões ao redor do mundo.
Para além dos desejos de “muitos anos de vida” do Parabéns
pra você, o aumento na expectativa de vida que ocorreu no mundo
contemporâneo teve a ver com vários fenômenos: o avanço da ciência, da medicina,
das políticas de saúde pública e o baby boom que
ocorreu após a Segunda Guerra Mundial. O otimismo e a esperança dos dias de paz
promoveram uma explosão demográfica. Então se, na década de 1930, a população
da Terra era de 2 bilhões, nos anos 1960, passou para 3,5 bilhões. Em 2020,
chegamos a 7,8 bilhões e com estimativa, das Nações Unidas, de alcançarmos 10,9
bilhões em 2100.
No entanto, um estudo do Institute for Health Metrics and
Evaluation (IHME), da Universidade de Washington, publicado na revista The
Lancet, em julho de 2020, previu que o pico de população ocorrerá
na década de 2060, com 9,7 bilhões. E a partir daí a humanidade irá se
reduzindo lentamente até chegar a 8,8 bilhões em 2100, o que, segundo os
especialistas, pode gerar um efeito positivo no meio ambiente. “Nossas
conclusões sugerem que as tendências contínuas no nível educativo feminino e o
acesso à anticoncepção vão acelerar a redução da fertilidade e do crescimento
demográfico”, argumenta o estudo.
Com
menos mortes, fruto do desenvolvimento de melhores condições de vida, e menos
natalidade, ao longo das últimas décadas, houve e continuará havendo um aumento
expressivo no número de idosos no mundo. Segundo o Laboratório de Demografia e
Estudo Populacional da Universidade Federal de Juiz de Fora, a quantidade de
pessoas acima de 60 anos, que era de 202 milhões em 1950, passou para 1,1
bilhão, em 2020, e deve alcançar 3,1 bilhões em 2100. De 8% do total de
habitantes na década de 1950, para 13,5% em 2020, deve atingir 28,2% em 2100. Ou
seja, em menos de 100 anos, um terço do planeta será de idosos.
De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE), os idosos representam 18,62% da população total do país. No Brasil, as
mulheres vivem, em média, 77 anos, e os homens, 74 anos. No entanto, segundo
estudo do Departamento de Saúde Global e População da Universidade de Harvard,
em parceria com o Departamento de Demografia da Universidade Federal de Minas
Gerais (UFMG), divulgado no dia 10 de abril, a pandemia da Covid-19 regrediu a
expectativa dos brasileiros em dois anos.
Segundo a pesquisa do Institute for Health Metrics and
Evaluation, que também aponta para o aumento da quantidade de idosos no mundo,
isso resultará em uma força de trabalho minguante e envelhecida –
independentemente do impacto da automação. Essa transformação no formato da
pirâmide demográfica, para os estudiosos, deve mudar a economia mundial e a
relação de poder entre os países. A força de trabalho da China passará de 950
milhões para 350 milhões e seu quadro militar deverá perder 65% dos jovens
entre 20 e 24 anos, comparado à sua população atual.
Para os pesquisadores, os países terão quatro opções para
enfrentar os problemas de natalidade: podem tentar aumentar a taxa de
fertilidade, criando um ambiente adequado para que as mulheres tenham filhos e
mantenham suas carreiras; podem restringir o acesso das mulheres aos serviços
de saúde reprodutiva (o que seria uma solução radical); podem promover novas
políticas para facilitar a imigração e/ou podem aumentar a participação de
pessoas de idades mais avançadas no mercado de trabalho.
“O envelhecimento é uma questão de desenvolvimento. A
expectativa de uma vida mais longa é uma conquista da civilização e representa
grande potencial para o desenvolvimento humano geral”, apontou o documento Active
ageing: A policy framework (Envelhecimento ativo: Uma
política de saúde ou Marco político do
envelhecimento ativo). Produzido em 2002 (e atualizado em 2015),
pela Organização Mundial da Saúde (OMS), o documento contribuiu para a
realização da segunda Assembleia Mundial sobre o Envelhecimento, que norteou o
desenvolvimento de políticas públicas em todos os âmbitos governamentais de
vários países.
No entanto, mudanças na forma como os governos ainda tratam os
seus idosos esbarram numa questão primordial, a discriminação etária que ainda
persiste na sociedade, impedindo que haja cobranças de políticas públicas para
atender questões como habitação, saúde, alimentação, bem-estar, cultura, lazer
e socialização. Ao invés disso, a parcela mais velha da população mundial, além
de enfrentar esses problemas, ainda sofre com o abandono, a solidão, depressão
e violência.
Para conter esse último problema, foi instituído, em 2011, o Dia Mundial da Conscientização da Violência Contra a Pessoa Idosa (15 de junho), pela Assembleia Geral das Nações Unidas, após solicitação da Rede Internacional de Prevenção ao Abuso de Idosos (Inpea). Há vários tipos de violência contra as pessoas idosas: a mais comum é a negligência, quando os responsáveis não oferecem cuidados básicos, como higiene, saúde, medicamentos, proteção contra frio ou calor; abandono (omissão dos familiares ou responsáveis, governamentais ou institucionais, de prestarem ajuda); a violência física, sexual, psicológica ou emocional (xingamentos, sustos, constrangimento, destruição de propriedade ou impedir que vejam amigos e familiares) e violência financeira ou material (exploração imprópria ou ilegal ou o uso não consentido de seus recursos financeiros e patrimoniais). Denúncias podem ser feitas em unidades municipais de saúde; delegacias; disque 100 (Direitos Humanos) ou 190 (Polícia Militar).
***
“‘É com adolescentes que duram um número bastante grande de anos
que a vida faz velhos’, observa Proust; eles conservam as qualidades e os
defeitos do homem que continuam a ser. Isto, a opinião quer ignorar. Se os
velhos manifestam os mesmos desejos, os mesmos sentimentos, as mesmas reivindicações
que os jovens, eles escandalizam; neles, o amor, o ciúme parecem odiosos ou
ridículos, a sexualidade repugnante, a violência irrisória. Devem dar o exemplo
de todas as virtudes. Antes de tudo, exige-se deles a serenidade; afirma-se que
possuem essa serenidade, o que autoriza o desinteresse por sua infelicidade. A
imagem sublimada deles mesmos que lhes é proposta é a do sábio aureolado de
cabelos brancos, rico de experiência e venerável, que domina de muito alto a
condição humana; se dela se afastam, caem no outro extremo: a imagem que se
opõe à primeira é a do velho louco que caduca e delira e de quem as crianças
zombam. De qualquer maneira, por sua virtude ou por sua abjeção, os velhos
situam-se fora da humanidade. Pode-se, portanto, sem escrúpulo, recusar-lhes o
mínimo julgado necessário para levar uma vida de homem”, analisa Simone de
Beauvoir, no livro A velhice (1970).
Tantas dificuldades podem explicar a taxa de suicídio entre os
idosos. Segundo o Centro de Valorização à Vida (CVV), no Brasil, cerca de 1.200
pessoas com 60 anos ou mais morrem a cada ano em decorrência de suicídio. Em
maio do ano passado, em plena pandemia, o ator Flavio Migliaccio foi um dos
brasileiros idosos que tiraram a própria vida. Em um trecho de sua carta, o
artista escreveu: “A velhice neste país é o caos como tudo aqui. (…) Eu tive a
impressão que foram 85 anos jogados fora num país como este”.
Durante a pandemia, muitas pessoas, mesmo os jovens, puderam
experimentar algumas das principais situações e sensações que envolvem o
cotidiano de boa parte dos idosos: o isolamento social, o medo da doença e da
morte. A quarentena, inclusive, criou um ambiente propício para antecipar esses
sentimentos em pessoas mais velhas que não haviam vivenciado até então. “Essa
pandemia me mostrou a face cruel da velhice, ou seja, o isolamento. Antes, eu
não parava um minuto. Tenho uma turma boa de amigos. Então, a gente saía muito.
Eu tinha uma vida social e política ativa. Quando chegou a pandemia, veio o
lado cruel da velhice, de ter medo de adoecer, de levar uma queda, de morrer,
de sair de casa e contrair o vírus. As coisas que eu projetava, ‘quando eu
tiver 80’, de repente apareceram. A velhice me chegou pesada”, revela Heloísa
Morais, professora, revisora e tradutora.
Intervenção na pintura Narciso, de Caravaggio, 1597-99
“Claro que temos o que a velhice anterior à minha não teve, as
redes sociais, internet, videoconferência, você se conecta, mas sou de uma
geração de convívio social. Estou em casa só”, relata, acrescentando que teve
um lado ligeiramente bom. “Aprendi a cozinhar. Estabeleci uma rotina doméstica.
Nunca tive esse lado doméstico. Na juventude, como eu era muito estudiosa,
tinha apenas que estudar. Sempre leio e vejo muitos filmes. Para não passar o
dia todo vendo filme, estabeleço uma rotina diária. Mas tenho saudade de
abraçar as pessoas, os netos, do contato físico. Esse lado do isolamento pesa
muito pra velhice. Minha imunidade nunca foi muito boa. Por isso, às vezes, dá
uma crise de pânico. Eu posso dizer que foi com 73 anos, no ano passado, que eu
olhei pra mim e disse: ‘Estou velha’. Antes eu pensava que era uma menina de 25
anos. Eu me sentia quarentona, com todo o gás, viajava muito. Agora estou me
sentindo velha. Apesar de que estou tentando me adaptar à velhice.”
“Desde criança que minha mãe me levava para festas e para
participar de concursos de dança, fui me acostumando e gostando”, conta Silvia
Leonardo, 67 anos, pensionista. “Na adolescência, comecei a frequentar clubes.
Quando meu irmão começou a tocar numa banda, passei a sair mais. Depois, no tempo
de casada, foi quando me afastei um pouco da diversão. Meu marido não gostava
muito. Quando fiquei viúva, dei vazão à vontade de ir pra festas e shows.
Essas coisas eu aproveito bastante. O que eu mais sinto falta na pandemia é
sair com minhas amigas. Mas a gente se encontra o máximo que pode. O vírus é
uma coisa imprevisível, a gente se fala muito por WhatsApp, telefone. Mesmo com
as doses de vacina, só vamos sair para o essencial. A gente se encontra
rapidamente para ir à farmácia, ao supermercado, padaria, pagar uma conta,
receber pagamento. Tenho amigas enfermeiras doidas para sair e pra extravasar,
mas não podem.”
Dentre as feridas sociais e culturais que a pandemia evidenciou
está o ageism, etaísmo,
etarismo, idadismo ou a velhofobia. Como a
mídia informava desde o começo que a Covid-19 era “uma doença que mata velho”,
os mais jovens sentiram-se à vontade para desrespeitar o isolamento social e
aglomerar, sem máscaras, em bares, shows e
boates, considerando que estariam livres de um quadro mais grave da doença,
apresentando apenas uma “gripezinha”. Não importava se, com seus
comportamentos, transmitissem o vírus para pessoas com comorbidades ou idosos –
afinal, no imaginário coletivo, estes estão mais próximos da morte. Embora,
como afirma o filósofo alemão Martin Heidegger (1889-1976), “Um minuto de vida
é idade suficiente para morrer”.
O resultado de todo o descaso durante o período de quarentena é
que o vírus circulou, multiplicou-se e, com isso, deu origem a variantes mais
perigosas, que agora acometem os mais jovens. Médicos são unânimes em afirmar
que, atualmente, a maior parte dos pacientes graves tem menos de 60 anos –
faixa etária que abrange a maior parte da classe trabalhadora, que precisa
pegar transporte público, geralmente lotado. O então ministro da saúde Nelson
Teich chegou a insinuar, no começo da pandemia, que entre um paciente jovem e
um idoso, necessitando de UTI, não haveria dúvidas sobre qual priorizar;
enquanto o presidente Jair Bolsonaro defendeu que apenas os idosos fossem isolados.
Sobre o “caos” mencionado por Flavio Migliaccio, podemos lembrar a Reforma da
Previdência, que perturbou os planos de aposentadoria de milhões de brasileiros
– a propósito, segundo o IBGE, muitas famílias e municípios vivem do dinheiro
do benefício dos idosos da cidade.
Eis uma das principais questões que envolvem a velhofobia:
neoliberalismo e envelhecimento são conceitos que não combinam. Os problemas
decorrentes da desigualdade social imposta pelo sistema econômico – exploração
de mão de obra, baixos salários, falta de habitação, saúde e educação
precárias, individualismo – são particularmente mais cruéis quando recaem sobre
os idosos, que evidentemente já foram jovens trabalhadores. Na juventude e
maturidade, não receberam das classes dominantes o que lhes era necessário para
uma vida digna. Após gastos de tanto trabalhar, encontraram o abandono.
“Inúteis, incômodos, o destino deles assemelhava-se ao que lhes
era reservado nas sociedades primitivas. Esse destino dependia essencialmente
da família. Por afeição, ou por preocupação com a opinião das pessoas, algumas
famílias manifestavam solicitude com relação aos velhos, ou, pelo menos,
tratavam-nos corretamente. Mas quase sempre eram negligenciados, abandonados
num asilo, expulsos, e, até mesmo, assassinados clandestinamente”, relata
Simone de Beauvoir. “A sociedade impõe à imensa maioria dos velhos um nível de
vida tão miserável, que a expressão ‘velho e pobre’ constitui quase um
pleonasmo; a maior parte dos indigentes é de velhos.”
Da Idade Média até o século XVIII: nos campos e nas cidades, os
velhos explorados eram poucos, pois os trabalhadores morriam jovens. “Os que
sobreviviam dependiam de uma família geralmente pobre demais para sustentá-los;
recorriam à caridade pública, à caridade dos castelos e conventos”, escreve a
filósofa. “Em certas épocas, até mesmo esses recursos lhes foram recusados; sua
sorte foi particularmente dura no momento em que o capitalismo nasceu na
Inglaterra puritana, e no século XIX, durante a Revolução Industrial.”
Para Beauvoir, os esforços da elite para socorrer os velhos mais
vulneráveis sempre foram irrisórios. Mas, a partir do século XIX, esses idosos
tornaram-se tão numerosos, que a classe dominante não pôde mais ignorá-los.
“Para justificar sua selvagem indiferença, foi obrigada a desvalorizá-los. Mais
que o conflito das gerações, foi a luta de classes que deu à noção de velhice
sua ambivalência.”
***
Paralelamente, é a partir de meados do século XIX, que a
geriatria desponta, mesmo sem ter ainda esse nome. A criação de asilos de
doentes, que abrigavam muitos idosos, facilitou a coleta de dados clínicos
sobre eles e contribuiu para desmistificar a antiga ideia de entender a velhice
como doença e não uma fase da vida. Numa visita a um desses asilos em sua
cidade natal, em 1909, o médico vienense Ignatz Leo Nascher, radicado nos
Estados Unidos, quis saber o motivo da boa saúde e longevidade dos idosos, em
comparação aos de Nova York. Um dos colegas respondeu que eram tratados como os
pediatras cuidam das crianças, com cuidados específicos.
Ele, então, teve a ideia de criar uma especialidade na medicina
chamada de geriatria. Em 1909,
publicou seu primeiro programa; em 1912, fundou a Sociedade de Geriatria de
Nova York e, em 1914, lançou um livro sobre o tema, após encontrar dificuldade
para publicar, pois o assunto não interessava às editoras. Além da geriatria,
foi desenvolvida a gerontologia, que estuda o processo do envelhecimento na
sociedade e envolve outras áreas acadêmicas.
A geriatria estabeleceu uma diferença entre os termos senescência e senilidade.
O primeiro abrange todas as alterações que ocorrem no organismo humano no
decorrer do tempo e que não configuram doenças, como os cabelos brancos, queda
deles, rugas, redução da estatura e perda de massa muscular, entre outros. O
segundo é um complemento da senescência no fenômeno do envelhecimento. São
alterações decorrentes de doenças crônicas (hipertensão, diabetes,
insuficiência renal e cardíaca, doença pulmonar e outras), de interferências
ambientais e de medicamentos, que podem comprometer a qualidade de vida.
“Nesse movimento que marca as sociedades modernas, a partir da
segunda metade do século XIX, a velhice é tratada como uma etapa da vida
caracterizada pela decadência física e ausência de papéis sociais. O avanço da
idade como um processo contínuo de perdas e de dependência – que daria uma
identidade de condições aos idosos – é responsável por um conjunto de imagens
negativas associadas à velhice, mas foi também um elemento fundamental para a
legitimação de direitos sociais, como a universalização da aposentadoria”,
observa a antropóloga e gerontóloga Guita Grin Debert, no livro A
reinvenção da velhice: socialização e processos de reprivatização do
envelhecimento (1999).
No fim daquele século, o trabalhador mais velho, que
anteriormente havia sido relegado à própria sorte, começa a receber um pouco
mais de atenção. Em 1796, o político britânico Thomas Paine inovou ao propor um
sistema de proteção social, de aposentadoria e pensões e criou o conceito de
renda básica. A partir de uma considerável expansão industrial, o chanceler
alemão Otto von Bismarck conteve o avanço da inquietação socialista, criando,
entre 1883 e 1889, o sistema de seguros sociais (a previdência social), que foi
complementado entre 1890 a 1910, para cobrir os riscos dos acidentes de
trabalho e invalidez da idade avançada. Eram exigidas contribuições tanto dos
empregadores, quanto dos operários e do Estado. O modelo inspirou a aplicação
em outros países e a reformulação a partir do uso de impostos. A concessão
tornou-se organizada e a partir de duas condições: anos de trabalho e uma idade
determinada. Mas, em muitos países, o benefício ainda deixa a desejar no
momento de maior vulnerabilidade da vida.
“Eu me mantenho, mas acho péssimo não ter emprego. Escrevo para
o Facebook, mas é uma coisa sem ganhar dinheiro. Felizmente consegui ficar com
uma aposentadoria que dá para viver. Mas queria mais dinheiro, queria um jantar
caro. A velhice só é boa com riqueza”, afirma o jornalista, crítico de cinema e
professor Celso Marconi Lins, 90 anos, que se aposentou em 2003. “Sinto falta
de riqueza agora mais do que na juventude. Mas vivo razoavelmente bem com
relação ao Brasil. Hoje me sinto péssimo ao ver as pessoas totalmente dominadas
pelo pensamento reacionário e individualista. Não pensam mais socialmente. Não
existe mais coragem de querer mudar o mundo. Nos anos 1960, foi o drama do
golpe de 64. E agora esse governo, que é um horror. O que me dói mais que o governo
é a população que o elegeu.”
Se, para muitos, a aposentadoria é um benefício aguardado, para
outros significa estar apartado do que considera a sua essência como pessoa. “A
pior morte para um indivíduo”, escreveu Ernest Hemingway, “é perder o que forma
o centro de sua vida, e que faz dele o que realmente é. Aposentadoria é
a palavra mais repugnante da língua. Seja escolha nossa ou imposição do
destino, aposentar-se é abandonar nossas ocupações — essas ocupações que fazem
de nós o que somos — equivale a descer ao túmulo.” O autor de O
velho e o mar matou-se, aos 61 anos, em 1961, por um punhado
de razões. Mas o fato ocorreu no contexto em que se sentiu incapaz de continuar
a escrever.
***
“Quando o trabalho foi escolhido livremente, e constitui uma
realização de si mesmo, renunciar a ele equivale, efetivamente, a uma espécie
de morte. Quando se caracterizou como uma obrigação, ficar dispensado dele
significa uma libertação. Mas, na verdade, quase sempre há ambivalência no
trabalho, que é ao mesmo tempo uma escravidão, uma fadiga, mas também uma fonte
de interesse, um elemento de equilíbrio, um fator de integração à sociedade.
Essa ambiguidade
reflete-se na aposentadoria,
que pode ser encarada como grandes férias ou como uma marginalização”, avalia
Simone de Beauvoir.
“A tragédia da velhice é a radical condenação de todo um sistema
de vida mutilador: um sistema que não fornece à imensa maioria das pessoas que
fazem parte dele uma razão de viver. O trabalho e a fadiga mascaram essa
ausência: ela se descobre no momento da aposentadoria. É muito mais grave do
que o tédio. Ao envelhecer, o trabalhador não tem mais lugar no mundo, porque,
na verdade, nunca lhe foi concedido um lugar: simplesmente, ele não tivera
tempo de perceber isso. Quando se dá conta, cai numa espécie de desespero”,
afirma a filósofa.
A conquista de muitos mais anos de existência e de trabalho
trouxe consigo diversos questionamentos sobre os costumeiros objetivos
individuais e coletivos: “vencer na vida” e “merecido descanso”.
“Muita gente pensou que, ao chegar aos 50 anos, estaria no ápice
de sua vida, diretor de uma grande empresa. De repente, você chega aos 50, 60
anos, e dizem que você tem mais 40 anos pela frente”, ironiza o filósofo Jorge
Forbes, na palestra Velhice, pra que te quero?,
do Café Filosófico. “Roubaram no jogo, porque nossa geração estava preparada
para isso, fez uma carreira pra isso. E de repente, o mundo mudou e a gente
ganhou um montão de anos que a gente não tinha pedido. A gente não pode mais se
queixar ‘Estou velho, estou com 60 anos de idade’.”
Mas, afinal de contas, quando se fica velho? Em vários países,
as idades divergem. No Brasil, o Estatuto do Idoso, que virou lei em 1o de
outubro de 2003, considera como tal uma pessoa acima dos 60 anos. O filósofo
Maud Mannoni, em 1995, problematiza a questão da idade: “Se é a brusca
deterioração do estado físico que faz o sujeito realizar a dependência em que
se vê projetado (ou arriscado a sê-lo), este infortúnio (a doença) que exclui
toda esperança pode ocorrer em qualquer idade. A repercussão será a mesma aos
20 anos e depois dos 80. A ‘condenação à morte’ está lá, presente, desde o
nascimento. Acabamos por esquecê-la”.
“A consideração inicial é de que as idades cronológicas,
baseadas num sistema de datação, estão ausentes da maioria das sociedades não
ocidentais e são, nas sociedades ocidentais, um mecanismo básico de atribuição
de status (maioridade legal), de definição de papéis
ocupacionais (entrada no mercado de trabalho), de formulação de demandas
sociais (direito à aposentadoria)”, afirma Guita Grin Debert. “Em sociedades
não ocidentais, a validação cultural de cada estágio não é apenas um
reconhecimento de níveis de maturidade, mas uma autorização para a realização
de práticas como caçar, casar e participar do conselho dos mais velhos. Nas
sociedades ocidentais, os critérios e normas da idade cronológica são impostos
não porque elas disponham de um aparato cultural que domina a reflexão sobre os
estágios de maturidade, mas por exigência das leis que determinam os deveres e
direitos do cidadão.”
“Um fato contundente, mas que é preciso assinalar, é que o
prestígio da velhice diminuiu muito, pelo descrédito da noção de experiência. A
sociedade tecnocrática de hoje não crê que, com o passar dos anos, o saber se
acumula, mas, sim, que acaba perecendo. A idade acarreta uma desqualificação.
São os valores associados à juventude que são apreciados”, critica Simone de
Beauvoir. Em quase todos os países, o limite de idade para contrato de emprego
vai de 40 a 45 anos. Quando há cortes nas empresas, os trabalhadores mais
velhos são os alvos de demissões e encontram dificuldade para voltar ao mercado
de trabalho nas mesmas funções e com os mesmos salários.
***
“Ah, no antigo Brasil era uma humilhação ser jovem. Só me lembro
de uma meia dúzia de rapazes. Os rapazes escondiam-se, andavam rente às paredes
e, para eles, a velhice era uma utopia fascinante. Por toda a parte, havia uma
paisagem de velhos em flor. A palavra do velho parecia soar numa acústica de
catedral. Bem me lembro de um de 80 anos, nosso vizinho. Muitas vezes, por cima
do muro, eu o espiava. Ainda por cima, hemiplégico. Pois eu achava linda essa
hemiplegia. Com meus sete anos, gostaria de tremer como ele e de ter a mão
entrevada, os dedos recurvos. E tudo mudou. Agora o importante, o patético, o
sublime é ser jovem. Ninguém quer ser velho. Há uma vergonha da velhice. E o
ancião procura a convivência das Novas Gerações como se isso fosse um
rejuvenescimento. Outro dia, dizia-me uma jovem senhora: ‘Tenho mais medo da
velhice do que da morte’. Quer ser defunta e não quer ser velha.”
Nessa crônica de 11 de janeiro de 1968, Nelson Rodrigues critica
o alvoroço da imprensa brasileira ao constatar a velhice da atriz
norte-americana Joan Crawford, aos 64 anos, em visita ao Brasil. “É claro que
todo mundo deseja, com o maior empenho e a maior volúpia, a velhice da mulher
bonita. Outro exemplo: o de Gina Lollobrigida. Passou pelo nosso Carnaval,
linda, linda. Pois não faltou quem, diante de seu frescor implacável, dissesse:
‘Velha! Velha!’. (…) É o Brasil jovem. Afirma-se que a Juventude invade a
História e começa a fazer História. Mas em vão procuramos, em qualquer povo, o
líder jovem, uma massa jovem e decisiva. Há a Guarda Vermelha. Mas essa tem
exatamente a idade do seu chefe, Mao Tsé-Tung. É a juventude mais senil que já
apareceu na Terra.”
O famoso reacionarismo do escritor, que clamava “Jovens,
envelheçam!”, não admitiria menções ponderadas a levantes políticos do século
XX que foram conduzidos por homens jovens, como a Revolução Russa, a Revolução
Chinesa, a Revolução Cubana, a Guerra de Independência Argelina. Alguns desses
homens envelheceram no poder: Stálin, Mao Tsé-Tung, Ho Chi Minh, Fidel Castro,
que, à beira da morte, ainda ditava ordens no país – enquanto Che Guevara
(morto aos 39 anos, em 1967) virou ícone da juventude, estampando camisetas,
broches, tatuagens e murais.
***
A antropóloga, gerontóloga e escritora Mirian Goldenberg pesquisa o tema há mais de 30 anos. Ela afirma que “entre 40 e 50 anos, as mulheres estão infelizes, insatisfeitas, frustradas, deprimidas e exaustas, reclamando de falta de tempo, reconhecimento e liberdade”. O que mais invejam nos homens é “a liberdade sexual, liberdade com o próprio corpo, de rir com qualquer bobagem, de fazer xixi em pé”. Enquanto os homens não invejam as mulheres em nada. “O que elas mais invejam em outras mulheres é o corpo, a beleza, juventude, magreza e sensualidade. Já para a maioria das mulheres a partir dos 60 anos, este é o melhor momento da vida, porque passaram a priorizar o tempo para cuidar delas mesmas e aprenderam a dizer não e destacam a importância das amigas. Quanto à pergunta ‘quem vai cuidar de você na velhice?’, respondem, ‘eu mesma, ou minhas amigas’”. Os homens respondem: “Minha esposa, minhas filhas, minhas netas”.
“A velhice, em nossa sociedade, mesmo quando não se associa à
pobreza ou invalidez, tende a ser vista como um período dramático por implicar
a passagem, tida como indesejada, de um mundo amplo e público para um mundo
restrito e privado. À ideia de perda de papéis sociais soma-se a ausência de
uma vida sexual ativa. O fato de a grande maioria das mulheres, hoje na
velhice, não ter tido uma vida profissional ativa e ter sido sexualmente mais
reprimida que os homens levava-me a supor que a mulher, com o avanço da idade,
falaria de seu sofrimento, de sua solidão e do desdém de que é vítima,
atribuindo à velhice o que, na realidade, seria fruto da situação à qual ela é
relegada na nossa sociedade. Haveria, portanto, uma confusão entre o que se
colocava na conta da velhice e o que, de fato, as mulheres poderiam realizar se
fossem mais jovens”, observa Guita Grin Debert.
“Será difícil envelhecer serenamente quando a vida pregressa foi
ponteada pelos mais variados traumatismos, frustrações e dissabores”, analisa o
psiquiatra Geraldo José Ballone, no artigo Alterações emocionais no
envelhecimento (2005). “As vivências traumáticas pregressas
são sempre máculas indeléveis da existência e, com o esvaziamento progressivo
de energia vital, se tornarão feridas emocionais abertas. Diante de certas
circunstâncias de vida, cabe muito mais ao destino que ao terapeuta
proporcionar a ‘cura’ ou prevenir doenças. Na velhice as ocorrências vivenciais
sofríveis serão as maiores determinantes do estado emocional”, escreve.
No entanto, segundo uma pesquisa realizada em 134 países pelo
economista David Blanchflower, da universidade Dartmouth College (EUA), em
2004, existe uma curva da felicidade. De acordo com o resultado, os maiores
momentos de sentimento de felicidade estão na fase inicial da vida e depois dos
50. A fase mais crítica é na faixa dos 40 anos. A idade mais infeliz das
pessoas nos países desenvolvidos é em torno dos 47,2 anos, enquanto nos países
em desenvolvimento é 48,2 anos. O que explica também a crise dos 40 como uma
“quebra de expectativas” ou “crise da meia-idade”, descrita pela primeira vez
em 1965.
Segundo estudo, os jovens cometeriam o equívoco de superestimar
a felicidade ao alcançar seus objetivos de vida. Nessa faixa dos 40, haveria
uma decepção com suas expectativas e as pessoas se tornariam mais realistas e,
depois dos 50, mais gratas pelo que conseguiram. A percepção de bem-estar muda.
À medida que envelhecemos, aprendemos a nos adaptar a nossos pontos fortes e
fracos, ao mesmo tempo em que as ambições inviáveis diminuem. As pessoas mais
velhas, se tiverem boa saúde, estabilidade financeira e afetiva, podem se
sentir tão felizes quanto as mais jovens. E as otimistas vivem mais, o que
ajudaria a criar o formato em U da curva da felicidade. O resultado parece atestar
o que disse Drummond no poema Os ombros suportam o mundo:
“Pouco importa, venha a velhice, que é a velhice? Teus ombros suportam o mundo
e ele não pesa mais que a mão de uma criança”.
Inspirado no estudo, Jonathan Rauch, pesquisador do centro de estudos
Brookings Institution, em Washington, analisou a questão e publicou, em 2019, o
livro The happiness curve: why life
gets better after midlife (“A curva da felicidade: por que a
vida fica melhor depois da meia-idade”). Para ele, o “reinício da meia-idade” é
uma transição normal, como a adolescência, que leva a um estágio de vida mais
estável e positivo. “O envelhecimento nos equipa para sermos mais felizes e
gentis”, escreve Rauch.
Em 2011, o jornalista russo Vladimir Yakovlev, aos 56 anos, fez
as malas e passou cinco anos viajando pela Europa, EUA e China, conhecendo
idosos que quebravam a imagem típica de uma pessoa mais velha. O resultado do
trabalho virou a série The age of happiness (A
idade da felicidade). A maioria começou a praticar atividades
físicas na meia-idade, como Pat Moorhead, que comemorou seus 80 anos pulando de
paraquedas 80 vezes (!); Greta Pontarelli, que passou a fazer pole
dance aos 61 anos; Paul Fegen, Nina Melnikova e Antonina
Kulikova (ambas de 79 anos), que se iniciaram no aiquidô aos 70 anos; Lloyd
Kahn, que virou skatista aos 65 anos; Johanna Quaas (88 anos), que começou a
treinar ginástica olímpica aos 56; Montserrat Mecho, aos 80 anos, que é
paraquedista, esquiadora, windsurfer e mergulhadora;
John Lowe (94 anos), que deu os primeiros passos no balé quando completou 80
anos.
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Para os gerontólogos, a velhice é uma construção sociocultural.
“A juventude, na prática por eles desenvolvida, não é mais uma etapa da vida,
um momento de passagem e um contínuo que caracteriza o desenvolvimento
biológico universal, como os cientistas sociais sempre enfatizaram. Geriatras e
gerontólogos transformaram-se em agentes ativos na proposta de práticas,
crenças e atitudes a indicar que a eterna juventude é um bem que pode ser por
todos conquistado. (…) A juventude perde conexão com um grupo etário
específico, deixa de ser um estágio na vida para se transformar em um valor, um
bem a ser conquistado em qualquer idade, através da adoção de estilos de vida e
formas de consumo adequadas”, analisa Guita Grin Debert.
A busca pela eterna juventude fez com que o Brasil atingisse a
marca de país que mais realiza cirurgias plásticas e procedimentos estéticos no
mundo, desbancando os Estados Unidos e diversos países da Europa. Segundo
levantamento da Sociedade Internacional de Cirurgia Plástica Estética (ISAPS),
divulgado em dezembro de 2019, foram registradas, em 2018, mais de 1.498.327
cirurgias estéticas no país, além de mais de 969 mil procedimentos estéticos não
cirúrgicos. Em seguida, estão os EUA, Alemanha e Itália. Algumas dessas pessoas
podem apresentar a síndrome de Dorian Gray, mencionada em 2000 pelo psiquiatra
Brosig B, em referência ao personagem do romance O retrato de Dorian Gray,
de Oscar Wilde, que vende sua alma em busca da eterna juventude. “Para
voltarmos à mocidade, basta-nos repetir as nossas loucuras”, bem apontou o
autor inglês.
Nessa tentativa de tirar o peso da velhice, a linguagem também
passa por intervenções. “Se testemunhamos uma epidemia de cirurgias plásticas
na tentativa da juventude para sempre (até a morte), é óbvio esperar que a
língua seja atingida pela mesma ânsia. Acho que idoso é uma
palavra ‘fotoshopada’ – ou talvez um lifting completo
na palavra velho. E saio aqui
em defesa do velho – a
palavra e o ser/estar de um tempo que, se tivermos sorte, chegará para todos”,
escreveu a jornalista Eliane Brum, na crônica Me chamem de velha,
de 2012. “Desde que a juventude virou não mais uma fase da vida, mas uma vida
inteira, temos convivido com essas tentativas de tungar a velhice também no
idioma. Vale tudo. Asilo virou casa de repouso, como se isso mudasse o
significado do que é estar apartado do mundo. Velhice virou terceira idade e, a
pior de todas, ‘melhor idade’”.
Intervenção
na pintura Moça com brinco de pérola, de Johannes Vermeer, 1965
Com o envelhecimento, o tempo passa a ser um capital. “Você não quer mais desperdiçar o tempo, passar, gastar, matar o tempo. Quando você é jovem, você nem pensa no tempo. Ele é um valor, mais cuidado, quando você valoriza tanto. Você não desperdiça. O tempo não passa nem rápido nem devagar. Ele é meu principal capital. Eu só gasto meu tempo nas coisas que são importantes pra mim. Por isso, aprendi a dizer a não. Porque não vou gastar meu tempo com bobagem, fazer coisa que eu não quero fazer só pra alguém ficar feliz”, afirma Mirian Goldenberg, no documentário Envelhescência (2015).